O homem sempre dependeu, em maior ou menor medida, do amanho da terra. Sempre existiu estreita ligação entre a terra e o ser humano, eis que aquela é a base física deste, que sobre ela vive e dela retira seu sustento.
No dizer do jurista espanhol Juan Jose Sanz Jarque, ‘em todas as épocas da história, a terra e seu aproveitamento, isto é, a propriedade da terra como figura representativa, tem sido algo substancial e básico na vida dos povos; até o ponto de que seu regime tenha tomado parte e influenciado no básico e consubstancial da vida e estrutura de toda comunidade histórica e de todos os Estados, quaisquer que tenham sido o âmbito e as peculiaridades dos mesmos”.
E, no mister de moldar a terra, domá-la, submetê-la às suas necessidades, o homem valeu-se, desde o primeiro momento, da arte da agricultura. Essa atividade de trabalhar a terra acabou por produzir relações entre o homem e o “agro”, perseptíveis já a partir dos povos primitivos.
No Código de Hamurabi, elaborado aproximadamente no Século XVII a.C. e, posteriormente, na Legislação Mosaica, de 1400 a.C. já constam normas de Direito Agrário, desde a lei de Spurius Cassius, de 486 a.C, até a Lei das XII Tábuas, datada de 452 a.C.
Mas foi Justiniano, na elaboração normativa do Direito a viger no Império Romano do Oriente, através de seu “Corpus Juris Civile”, que incluiu tais normas, até então esparsas, aglutinadas entre as demais normas de Direito Civil.
Com o passar dos anos, maior importância tomou a agricultura, à medida em que a simples atividade extrativa já não se mostrava suficiente ao sustento dos povos. Tornou-se nobre a arte agrícola. Praticaram-na fidalgos e guerreiros de várias sociedades.
Referindo-se à agricultura, assim se expressou Castilho: “Só um povo que lhe quer, e a quer, e a serve com desenganada preferência, só esse éico; rico sem fausto, mas rico sem receios de empobrecer”.
À medida em que se ampliavam as práticas agrícolas, aumentava também a gama de relações jurídicas delas decorrentes. A necessidade de regular tais relações, forçou a introdução de regras jurídicas nesse sentido, em quase todos os sistemas normativos do mundo ocidental.
Tais normas, entretanto, quase sem exceção, basearam-se incondicionalmente no Direito Romano, que via na “terra” o centro de toda a atividade agrícola. A elaboração normativa da maioria dos países da Europa e da América Latina, repousa sobre essa premissa, erigindo a “terra”, enquanto propriedade “imóvel” e entendida à luz do Direito Romano como “dominium’, no cerne da construção dogmática da normas reguladoras do Direito Agrário.
Até o final do Século XIX, todos os estudos da legislação agrária partiam da perspectiva do método exegético habitual entre os civilistas, já que todas as questões concernentes à agricultura eram entendidas sob uma ótica excessivamente romanística.
Entretanto, com o progresso alcançado no Século XX, especialmente em suas últimas décadas, as mentes mais lúcidas do mundo jurídico passaram a não mais se contentar com essa visão. A Itália foi um dos primeiros países em que a insatisfação e a inquietação dos juristas fizeram-nos abandonar os princípios puramente civilistas, em prol da adoção de entendimentos mais consentâneos com a realidade agrária que então se delineava.
As relações agrárias constituiam os objetos que passaram a estimular novas e inovadoras metodologias. O formalismo da tradição civilista já não correspondia à realidade econômica dos países, especialmente da Itália. Passou-se a privilegiar mais o estudo da realidade, da “praxis”, dos fatos para, então, só a partir deles, caminhar-se em direção à norma jurídica.
A partir de tais posturas, a conclusão lógica a que chegaram os juristas da época foi no sentido de que “o primado dos fatos significa a supremacia do exercício sobre a titularidade”, como explica Paolo Grossi.
Já no princípio do Século XX, apareceu no cenário científico o jurista que iria realmente dar início à nova era do Direito Agrário: Giangastone Bolla. Esse grande agrarista italiano, forjou a concepção de que a terra não mais podia ser entendida como simples “dominium”, nos moldes romanísticos, mas como “res frugifera”, vale dizer, “coisa que deveria produzir frutos”, para o proprietário e para a sociedade. De sua lavra é conhecida a afirmação, hoje transformada já em símbolo: “ex agris jus proprium”.
Esse processo evolutivo culminou com a fundação, por Giangastone Bolla, em 1922, de sua conhecida “Rivista de diritto agrario”que, sem dúvida acabou se transformando em mola propulsora do desenvolvimento do moderno Direito Agrário.
Como resultado imediato das publicações da “Rivista de diritto agrario”, formou-se e, até hoje, assim se mantém, as chamadas Escolas do Direito Agrário.
A primeira, que teve como expoente máximo Ageo Arcangeli, seguindo a melhor tradição civilista, funda-se exclusivamente na análise dos textos legais, deixando de atribuir qualquer importância aos fatos e aos elementos técnico – econômicos. Chamada de Escola Bolonhesa e aferrada ao formalismo interpretativo, pretendia “un empleo en el analisis de los institutos particulares del Derecho Agrario de las generales doctrinas del Derecho Privado”, no dizer de Alfredo Massart.
Por outro lado, a “nova” escola fundada por Bolla, partindo do entendimento de que o bem “terra” deve ser visto como “res frugifera”, passou a considerar como base da investigação e reflexão agraristas, “todo hecho tecnico, el processo económico de la produccion, y las instancias de tipo social de las classes empleadas en la agricultura”. Em outras palavras, desconsiderava a norma como ponto de partida para o estudo da dogmática jurídica agrarista, iniciando tal estudo pela análise dos fatos técnico- econômicos daquela atividade.
Depois de tais evoluções, para as quais Giangastone Bolla enormemente contribuiu, chegou-se a uma época em que avultaram os nomes de Antonio Carrozza e de Agustin Luna Serrano, como escultores da nova ciência jusagrarista.
Luna Serrano, analisando as várias e diferentes correntes doutrinárias, entendeu que, mais que Escolas, significavam elas, “direções metodológicas”. A primeira delas, chamada Institucionalista e que tem como próceres Alberto Ballarin Marcial, Juan José Sanz Jarque e Romam Duque corredor, endente deva o Direito Agrário girar ao redor de alguns ou de vários conceitos institucionais que, entretanto, têm se mostrado demasiado devanescentes e inconsistentes para fundamentar toda uma dogmática jurídica.
A segunda direção, chamada Sociológica, baseia-se essencialmente na busca de soluções sócio-econômicas, chegando a avançar além dos limites do sistema de direito positivo, como forma de corrigir situações que julgam inadequadas e para equilibrar interesses conflitantes do mundo agrário. Perfilham dessa opinião, Lúcio Mendieta Nuñes, Otto Morales Benites e, parcialmente, Ricardo Zeledon Zeledon, Magistrado da Corte Suprema da Costa Rica. Esses autores são contrários a reduzir o Direito Agrário a esquemas formais e a uma sistematização metodológica, pois entendem que isso limitaria a busca de soluções adequadas à realidade econômica e social do campo. Para eles, a individualização do Direito Agrário deveria ser feita através da individualização dos “fatos” e “suposições de fatos”. Sua maneira de pensar conduz inevitavelmente ao que Massart define como “no-sistema del Derecho Agrario”.
A terceira direção é Formalista, ou seja, Civilista, que se louva até hoje nos princípios estabelecidos no Direito Romano, atendo-se ferrenhamente à norma jurídica e sua interpretação. Alguns juristas brasileiros, lamentavelmente, não conseguem se afastar dessa consepção, embora esteja claro que não mais atente às complexas relações decorrentes da atividade agrária.
Por último, há a corrente denominada Técnico-Juridica, que serve de intermediária entre todas as outras direções. A respeito, preleciona Massart: “Esta direccion metodologica reconoce el espacio debido a los aspectos metajuridicos e extrajuridicos, estabelecendo una relacion entre estos con el ordeniamento juridico atraves de la mediacion de las fuentes normativas”.
Essa linha de raciocínio permite, na elaboração do Direito Agrário, resultados mais frutíferos e estimulantes, por situar-se mais perto da realidade dos fatos e das coisas. O maior teorizador dessa corrente dotrinária é indubitavelmente o mestre italiano Antonio Carrozza que sustenta, há muitos anos, a necessidade de se determinar o objeto das estruturas típicas do Direito Agrário, através da reconstrução paciente de cada um de seus intitutos.
Seguem-no em tal raciocínio, o uruguaio Adolfo Gelsi Bidart, os argentinos Rodolfo Carrera, Fernando Brebbia e, em parte, o costa-riquenho Ricardo Zeledon Zeledon que , seguramente, se situam entre os melhores jusagraristas de todo o mundo.
A pequisa e a elaboração dogmática desenvolvida por tais agraristas, tem como escôpo modificar completamente a concepção do Direito Agrário, concepção essa que, entre nós no Brasil, faz com que essa matéria fique adstrita ao redor da “terra”, considerada como fator primordial da atividade agrária.
Empresa agrária (entendida no sentido que lhe dá Broseta Pond, ou seja, organização dos fatores de produção) e, bem assim, a noção de “agrariedade” exposta por Carrozza, baseada no ciclo biológico e no ciclo produivo, são conceitos que começam a tomar vulto entre os cultores do Direito Agrário, como pressupostos para a reconstrução de sua dogmática.
A verdade é que, diante das novas e intrincadas relações provenientes da atividade agropecuária, o Direito Agrário não deve mais ficar adistrito à “terra” como tal, entendida como simples “fundo agrícola”. Nem, por outro lado, atribuir, na elaboraçãzo da dogmática do Direito Agrário, posição excessivamente privilegiada àquilo que se convencionou chamar de “Reforma Agrária”.
Além da aquisição do domínio do fundo, há outras formas de acesso à terra e à atividade agrícola e pastoril que, por sua importância, também devem ser privilegiadas pelo Direito Agrário.
O campo de atuação do Direito Agrário é muito maior que isso. Problemas relativos a direito de vizinhança, conservação dos recursos naturais, como flora, fauna e águas, a questão de distribuição das atividades agrárias, o trabalho rural, contratos agrários, cooperativismo, crédito rural, processo judicial agrário, juizados especializados são matérias atinentes ao Direito Agrário e ocupam a mente dos jusagraristas atuais. Questões correlatados, como transporte, armazenamento e comercialização da produção agrícola também devem merecer atenção dos juristas.
Não obstante, segundo a melhor doutrina, devem eles ser atendidos a partir dos fatos, da realidade sócio-econômica vigente na atividade agrária, abandonando-se, vez por todas, a postura formalista que considera os fatos a partir da norma jurídica.
Por José Justino de Figueiredo Neto
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